Hoje é o "Dia da Fundação": o Belenenses completa 94 anos

No 94º Aniversário do Belenenses, que hoje se completa, voltamos a publicar dois artigos que são, na nossa opinião, testemunhos vivos do que é ser Belenenses, da sua história e do seu pulsar colectivo.

Aproveitamos para agradecer ao seu autor, o nosso consócio José Manuel Anacleto, obviamente por tê-los escrito mas também a autorização para a sua publicação.

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De que foi feito o Belenenses
(publicado a 2009-01-07, em Fúria Azul - Olivais)


Ante-scriptum 1: a maior parte das fotos foram retiradas de excelentes textos do site oficial (autor HPA) e de excelentes textos do blog Belenenses Sempre. De ambos também se aproveitaram pequenos excertos.

Ante-scriptum 2: Adeptos de certo clube novo-rico a quem tudo é dado, leiam e aprendam alguma coisa em vez de virem fazer comentários de labregos ignorantes. A superioridade moral (e não só) do Belenenses é muito grande.
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Sonho de uma noite de Verão, o Belenenses nasceu num humilde banco de jardim, pelos rapazes da praia, filhos do bairro pobre de Belém, mais tarde em grande parte desmantelado por causa da Exposição de 1940.

Foi sentenciado de morte desde o início, em especial por outros clubes de Lisboa. O Presidente do Benfica, na altura, riu-se e disse que o Belenenses não duraria um mês. Começou a ter que engolir essas palavras quando no primeiro jogo entre as duas equipas, o Belenenses venceu o Benfica por 2-1. Tal como ganhámos o primeiro jogo com o Sporting. E na primeira época fomos Vice-Campeões de Lisboa.

Assustados, Benfica, Sporting e Internacional decidiram que o Belenenses devia descer para a 2ª divisão, por ser um clube mais novo, e assim se fez. Impensável mas verdadeiro. Tirou-se-nos o Campo do Pau do Fio e vedou-se-nos a utilização do Lumiar.
De pouco serviu: os títulos de Lisboa e de Portugal começaram a rechear o palmarés do Belenenses: em 1933, já tínhamos 3 Campeonatos de Portugal e 4 de Lisboa.

Apesar da morte do Pepe aos 23 anos. A imprensa, já então lampiã, não pode evitar de nos consagrar com um dos quatro grandes. Não o quarto grande, mas um dos quatro grandes, e na altura, talvez o maior de todos.

E fomos para as Salésias, embora nas penosas condições já referidas.


Foram os adeptos e os jogadores, liderados pelo grande Joaquim Almeida, que construíram o campo, nos primeiros anos. Sacrifícios indizíveis. É disto que é feito o Belenenses! Algo que aqueles que tudo recebem de mão beijada nunca entenderão nem saberão valorizar!


Com o tempo, as Salésias tornaram-se o primeiro campo relvado de Portugal; o primeiro estádio com cobertura e com bancadas de cimento; o primeiro com campos de treino; depois os campos das modalidades amadoras (com electrificação paga pelo grande Acácio Rosa, que durante anos custeou 5 modalidades amadoras), a pista de atletismo, a pista de ciclismo. Tudo pago do nosso bolso. As Salésias tornaram-se o melhor estádio e complexo desportivo de Portugal e Espanha! O único onde a Selecção Nacional podia jogar sem vergonha...

Por uns tempos, com esse investimento, os resultados, embora bons (2 vice-campeonatos, vários 3ºs lugares), baixaram um pouco. Mas depois, voltavam as glórias: a Taça de Portugal de 1942, presença em mais 3 finais, os Campeonatos de Lisboa de 1943 e 1945, o Campeonato Nacional de 1948 (depois de espoliados dos 43 e 45), as vitórias sobre o Real Madrid, o convite para inaugurar o estádio do maior clube do mundo, o Augusto Silva que continuava, ao fim de 16 anos, a ser o jogador com mais presenças na Selecção...

Era mais do que o sistema podia aguentar. Tiraram-nos as Salésias e, apesar de tudo o que lá fizéramos, fomos corridos sem receber um tostão. Bem ao contrário de outros clubes.

Depois de muito sofrer, a CML, sempre tão generosa para outros clubes de cá, arrendou-nos a preços de loucos uma pedreira no Restelo que não lhe interessava, numa zona terrível. Não, o Restelo não era a zona de moradias e embaixadas. Tudo isso foi para lá mais tarde, arrastado pelo estádio. o Belenenses abriu caminho e permitiu à Câmara de Lisboa fazer negócios milionários. O que havia, não eram "meninos ricos", era sim a desolação que as fotos mostram.



Foi com muita dor que se deixou o solo sagrado das Salésias, onde supostamente iria ser feita uma urbanização. Iria... Nunca foi! Palavras para quê?


Então, o Belenenses, com sangue suor e lágrimas partiu para construir uma nova Casa. Vendeu um grande jogador (Pedroto), absteve-se de comprar outros. Um ano antes de acabado o novo Estádio, um golpe terrível: perdemos o Campeonato a 3 minutos do fim. Mas nada quebrou o nosso ânimo. Do trabalho, do esforço, do amor e do suor honrado de milhares e milhares de Belenenses, ergueu-se o maravilhoso Estádio do Restelo. O mais belo de Portugal! Aquele que se mostrava aos visitantes ilustres (da Rainha de Inglaterra ao Imperador da Etiópia) para ilustrar que em Portugal se conseguia fazer algo de notável. As maiores equipas do mundo vinham ao Restelo, quase sempre perdiam e deslumbravam-se com o Estádio.


Foi uma prenda caída do céu, como cai para tantos clubes? Não, foram os grãos, os tijolos, as cativações, os mealheiros (aos milhares, chegando a ter 17 kg), os sorteios, os donativos sem fim que afluíam de todos os locais em Portugal e no mundo onde pulsavam corações belenenses! Por todo o lado havia comissões de recolhas de fundos de adeptos azuis: Albergaria-a-Velha, Alcobaça, Almada, Anadia, Armação de Pêra, Aveiro, Beja, Bragança, Bustos, Carcavelos, Castelo Branco, Castelo de Vide, Coimbra, Espinho, Estremoz, Ílhavo, Lamas da Feira, Lousã, Mirandela, Montijo, Moura, Murtosa, Ovar, Porto, S. João da Pesqueira, Sangalhos, Serpa, Sesimbra, Sines, Sousel, Tomar, Torres Vedras, Trafaria, Trovões, Vendas Novas, Viana do Castelo e Vila do Conde, Funchal (Madeira), Faial, Terceira, Vila Franca do Campo e Vila Nova do Corvo (Açores), Bissau (Guiné-Bissau); Benguela, Cabinda, Dundo, Lobito, Luanda e Porto Alexandre (Angola); Mogorolas (Moçambique)... etc.






Enfim, o grande dia chegou. 23 de Setembro de 1956. Era o nosso 37º aniversário e inaugurámos o Restelo. Vencemos o Sporting por 2-1. Dois dias depois, estreámos a iluminação, a melhor de Portugal. Paga por nós. E vencemos por 2-0 uma equipa que 3 meses antes fora finalista da Taça dos Campeões.


Espoliados indecentemente do Campeonato de 1959, ficámos sem o nosso Estádio em 1961. Foi para...a Câmara de Lisboa. Esta pôs-nos os troféus e tudo na rua... Foi aí que começámos a declinar, vergados a um peso tremendo.


Só quase uma década depois, e com uma campanha de mais de 50 mil assinaturas, deixámos de pagar quantias loucas para jogar naquilo que tínhamos construído!
E precisávamos de um pavilhão, para o Andebol, o Basket, o Hóquei, o Voleibol. Recomeçaram mais sacrifício. Tivemos que vender um dos jogadores da equipa que fora vice-campeã em 1973 e 3ª classificada em 1976. Não, não foi a Câmara que o construiu: pelo contrário, pôs bulldozers em frente para o destruir, e só não o fez porque sócios do Belenenses se puseram à frente, dispostos a pagar qualquer preço.

Estes azulejos da última foto... há centenas e centenas e centenas deles em várias paredes das áreas de apoio do Pavilhão.

Cada um deles representa o testemunho de 1.000 escudos (ao tempo era muito dinheiro, muito mesmo) doados por adeptos do Belenenses.

Ali estão para memória perene daquilo de que foi feito o Belenenses.


Habituados a sofrer e a lutar, havemos de continuar a resistir e a sobreviver!


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Porque sou do Belenenses?
(publicado a 2004-06-05, no Blog do Belenenses)

Sou do Belenenses por tantas razões, que seria difícil enumerar todas. E mesmo que as descrevesse todas, haveria sempre algo mais, quase indefinível, que sintetiza tudo: um sentimento arreigado "cá dentro", que é uma parte de mim mesmo de que me não posso apartar. Sim, é um sentimento tão entranhado, tão visceral, que sei que nunca poderia ser de um outro clube, por uma incompatibilidade natural que é o reverso exacto da minha adesão natural a ser belenenses.

No entanto, vou procurar razões mais objectivas. Antes de tudo, sou do Belenenses por que o meu pai era do Belenenses. E nunca poderia ter para com ele a deslealdade de não ser do Belenenses. Acho que outros, como eu, compreenderão o que isto significa; e esse significado também faz parte da alma belenense, que nos agrega. Tenho, relativamente ao meu pai, muitas opiniões e maneiras de ver o mundo bem diferentes; mas, em ser belenenses, eu continuo-o sem discussão nem alternativa, porque é assim mesmo, porque é da natureza das coisas, porque faz parte do amor que lhe tenho. Ainda hoje, tendo o meu pai morrido há quase 15 anos, lhe digo como se estivesse ao meu lado: "O nosso Belenenses…". É algo que estava nele, que se transmitiu para mim, que continua no meu filho e que, assim o espero, se perpetuará ainda além…

Depois, consolidaram em mim o ser belenense as histórias da História do Belenenses que ouvi do meu pai e que sorvi de tudo quanto podia – jornais, livros, revistas. É uma história de resistência, de sofrimento, de contínua luta contra a adversidade, de glórias sempre arrancadas com sangue, suor e lágrimas. Como outrora se escreveu. "Quando Belém acaba um jogo há sempre lágrimas...". Talvez, de algum modo, a paixão que provocava essas lágrimas tenha arrefecido – ou é apenas o calejamento que desenvolvemos para aguentar tantas desilusões e arrelias?

Aprendi, nesses relatos, com que amor apaixonado os heróis do Belenenses amaram o seu clube. E com eles me inebriei e deles enchi a minha alma – e é também por isso que não posso, não quero, não quereria nem poderia ser outra coisa que não do Belenenses. É ainda por isso que tento ajudar a transmitir e a perpetuar o que vi, ouvi e li, para que se não perca e, se possível for, inflame noutros a mesma paixão.

Sou do Belenenses, ainda, por causa das crianças, que também já fui uma delas, que têm a delicadeza e a coragem de ser do Belenenses; que preferem esse sentimento profundo a entregar o seu ânimo a clubes que lhes dariam mais vitórias e alegrias mais imediatas; que persistem no seu sentimento, que neles mais se indigna e revolta, quando lhes perguntam: "És do Benfica ou do Sporting?". Nós somos diferentes, de uma maneira que só podem entender os que são como nós: somos do Belenenses! E ainda bem que não temos a lata, a arrogância, a prepotência e o descaramento de outros!

Para esses jovens, também, quero legar os meios de defesa que o meu pai me deixou e que sempre me permitiram ter resposta quando adeptos de outros clubes queriam ridicularizar o Belenenses. Desejo que também eles tenham argumentos e factos para responder, não apenas que cada um tem o direito a ter os amores que lhe são próprios, e que se todos fossem dos mesmos, nenhuma graça teria o mundo; mas, também, que a história do desporto não começou há 2 dias, que o Belenenses rivalizou bravamente com esses outros clubes de que toda a gente fala, e que a sua história está igualmente cheia de glória – e além disso, de episódios de beleza ímpar.

Sou do Belenenses, outrossim, por causa dos velhos azuis que permaneceram belenenses contra ventos e marés, que são "pastéis" ainda há mais tempo do que eu, que não mudaram nem desistiram quando os ares da fortuna se tornaram adversos ou quando ser belenense se tornou cada vez mais difícil. Quero, muito, ver o Belenenses campeão; mas quero-o ainda mais pelos respeitáveis anciãos que, mais que todos, merecem essa alegria, que sarará as suas sofridas e consolará tantas humilhações (por acção ou omissão) que suportaram ao longo de anos e anos.

Sou do Belenenses, porque adoro o azul. Desde que me conheço que o azul me encanta. Ainda me lembro do azul intensíssimo de um berlinde azul que tinha quando era miúdo, ou de um anúncio televisivo da Blaupunkt ("Ponto Azul") também na minha meninice, ou do céu azul estrelado da minha costela provinciana. E, assim, adoro o azul do nosso estádio, com o Tejo também azul, lá em baixo, com o céu, também azul, lá em cima, adoro e comovo-me e arrepio-me e empolgo-me com as cores das nossas camisolas.

Depois, sou do Belenenses, porque tenho uma inexplicável atracção pelas causas perdidas, ou antes, pelas causas muito difíceis. O Belenenses dá-nos poucas alegrias; mas, quando dá…são alegrias incomparáveis! Alegrias que adeptos de clubes que ganham com muito mais frequência ou de clubes novos-ricos, sem uma alma como a nossa, não podem entender… acho eu!

E, colado isto, vai o toque trágico de que a história do Belenenses está permeada desde sempre. A morte do Pepe, a doença do Amaro, o acidente do Vicente, o fim da carreira do Carlos Serafim, o campeonato perdido a 4 minutos do fim (caso único em Portugal ou em qualquer lugar que eu conheça), a "expulsão" das belas Salésias por causa de um plano de urbanização que nunca se realizou, os bolsos vazios com a construção do Restelo depois de tudo o que se investira na Salésias, o estádio em nome da Câmara, as taças encaixotadas na rua, termos que pagar para jogar no estádio construído com dinheiro e suor belenenses, dezenas e dezenas de milhares de assinaturas (mais de 50.000 só no Brasil) "obrigando" a que nos fosse devolvido, a descida à 2ª Divisão no meio da miséria, os dois golos sofridos em Barcelona em tempo de descontos, a luta permanente para recomeçar de novo…

E, por tudo isto, e por muito mais que não sei dizer, é tão difícil e sofrido, mas tão belo e grandioso, ser-se do Belenenses!